quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Dialogar é preciso



Aureci Figueiredo Martins - Porto Alegre (RS) - aureci@globo.com


“Ao fundar-se no amor, na humildade, na fé nos homens, o diálogo se faz uma realização horizontal” (Paulo Freire[1])


Na lição de Paulo Freire, o diálogo é uma arte.

Os atores da relação dialogal são sujeitos — jamais, objetos — de uma interação horizontal em que a permuta de ideias deve, necessária e naturalmente, fluir num clima de respeito e acatamento recíprocos.

Cabe frisar que a postura dialogal implica silenciar afirmações pretensamente definitivas e/ou conclusivas, pois manifestações interpretativas somente têm cabimento quando existe ascendência de um dos interlocutores sobre o outro, situação que descaracteriza a dialogicidade da relação.

Considere-se também que quem ainda não se acostumou a relativizar suas crenças e concepções encontra dificuldades para respirar no clima sereno do diálogo. Bom ator dialógico é aquele que, desapaixonado por suas próprias idéias, tem consciência de que elas nada mais são do que meras hipóteses que serão, no tempo certo, descartadas por ele mesmo quando seus níveis conscienciais, ampliados ao influxo da força incoercível da evolução ascensional, vierem a lhe franquear acesso a entendimentos mais aprofundados.

Por outro lado e sempre a raciocinar por hipóteses, o sujeito dialógico deve, prévia e conscientemente, reservar espaço nos escaninhos da memória para acomodar confortavelmente as idéias alheias e deixá-las lá permanecer arquivadas como concepções mais ou menos plausíveis a serem validadas ou descartadas pela sabedoria do tempo.

Certo é que a predisposição para raciocinar por hipóteses desativa os nossos mecanismos de defesa, enraizados nas zonas do inconsciente, que costumam colocar nossas unhas de fora ao primeiro eriçar de pêlos.

Ressaltemos ainda, a bem da clareza, que o entendimento relacional, quando restrito ao campo das idéias, jamais ultrapassará as fronteiras de um sempre limitado acordo consensual, uma vez que as interpretações são construções subjetivas de cada um e, ipso facto, divergem inevitavelmente nos encontros intersubjetivos.

Diante dessa realidade inarredável da condição humana, a tão desejada fraternização das relações interpessoais só será possível no acatamento recíproco, incondicional, alicerçado na conjugação do respeito às diferenças individuais com sincera afetividade fraternal. Sem a postura dialogal e a ética da alteridade, nosso discurso será excludente, antifraterno.

Retomando o ensino do grande educador brasileiro, concluamos que o diálogo é o remédio para os distúrbios do convívio humano e que o amor, a humildade e a fé são as substâncias ativas deste precioso medicamento.

Dialoguemos, pois.


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[1] No livro Pedagogia do Oprimido, editora Paz e Terra, 18a edição